Resenha crítica do capítulo IV (Bachelard)

  CAPÍTULO IV - “O ninho” (livro "A poética do espaço", de BACHELARD) 

Autores da resenha: Juliana Rossi Gonçalves e Pedro Romão Mickucz.

 

Referência do texto: BACHELARD, Gaston. A poética do espaço. Trad. Antônio da Costa Leal; Lídia do Valle Santos Leal. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1984.

 

 Desenvolvimento do texto

Nesse capítulo, Bachelard cita diversas personalidades, entre eles: Ambroise Paré (cirurgião francês do séc. XVI), o naturalista Toussenel, o ornitólogo Arthur Landsborough Thomson (séc. XIX-XX), além de poetas, escritores, como Victor Hugo, e artistas, como Vlaminck e Van Gogh.

O capítulo inicia descrevendo como o romancista e poeta francês Victor Hugo associa as imagens e os seres da função de habitar. A casa é o ninho, e o escritor associa a catedral de Quasímodo (do seu romance “Notre-Dame de Paris”, de 1831) ao “ovo, o ninho, a casa, a pátria, o universo” (BACHELARD, 1984, p. 254), sua toca, sua morada. É como se a catedral tomasse a sua forma, como faz um caracol que toma a sua concha ou uma tartaruga à sua casca. O poeta usa essa diversidade de imagens para nos tornar “sensíveis aos poderes dos diversos refúgios” (BACHELARD, 1984, p. 254).

O autor cita o artista fauvista Maurice Vlaminck ao comparar a consciência de bem-estar aos animais em seus refúgios: “O bem-estar que experimento diante do fogo, quando o mau tempo desencadeia tempestade, é todo animal. O rato na sua toca, a raposa em seu covil, a vaca no estábulo devem ser felizes como o sou" (VLAMINCK, 1931 apud BACHELARD, 1984, p. 254). O ser se encolhe, se esconde, se oculta sob o sentimento do refúgio, se fecha a si mesmo.

Deseja-se que o ninho seja perfeito, marca de um instinto que todos se admiram - “Os homens sabem fazer tudo, menos os ninhos dos pássaros, diz o provérbio" (PARE apud BACHELARD, 1984, p. 257). Por outro lado, Bachelard exemplifica a consolidação de uma crítica científica, como na obra de Landsborough-Thomson, que dá um exemplo da queda do ninho da águia pelo fato de serem concluídos apressadamente, aqui vistos como uma pequena satisfação do autor escocês (Lansborough) de ser irreverente.

Para o pássaro, o ninho “é uma casa de vida: continua a envolver o pássaro que sai do ovo” (BACHELARD, 1984, p. 258). Mas torna-se uma imagem infeliz quando comparado ao amor humano, pois os ninhos dos pássaros se constroem mais tarde, ou seja, após o acasalamento, “a brincadeira amorosa realizada através dos campos” (BACHELARD, 1984, p. 258).

Refere-se à uma “fenomenologia filosófica” do ninho, como se pudéssemos encontrar a mesma admiração quando descobríamos o primeiro ninho. Não se usa mais essa admiração, habitual em nossa infância, segundo o autor. E também cita a sensação de decepção ao encontrar um ninho abandonado, pois o “ninho vazio despreza o seu descobridor” (BACHELARD, 1984, p. 258); torna-se uma “coisa”, entra numa categoria de objetos.

O ninho que se torna por um instante o centro de um universo é o ninho vivo, que é o ninho habitado, a casa do pássaro:

 

Tenho medo que o pássaro que choca seus ovos saiba que sou um homem, o ser em que os pássaros perderam a confiança. Fico imóvel. [...] Retornarei amanhã. Hoje fica comigo uma alegria: os pássaros fizeram um ninho no meu jardim. [...] Como são raras, numa vida, essas lembranças verdadeiras! (BACHELARD, 1984, p. 259).

 

Segundo Bachelard, é nos livros que “gozamos a surpresa de ‘descobrir um ninho’” (BACHELARD, 1984, p. 259).

A partir do escritor e naturalista estadunidense Henry-David Thoreau, o autor aumenta o “valor” domiciliar do ninho, pois a árvore já é o refúgio do pássaro. Compara o picanço quando toma posse de uma árvore à uma família que volta à casa vazia – areja a casa, prepara a morada, faz ruídos, atravessa a casa. O texto de Thoreau atinge a metáfora em que “a casa alegre é um ninho vigoroso” (BACHELARD, 1984, p. 259). Quando há um ninho na árvore, torna-se mais cara por nós quando é habitada pelo pássaro; “E não é quando ele canta que se pensa nele; é quando ele trabalha.” (BACHELARD, 1984, p. 260).

Van Gogh, ao escrever ao seu irmão, compara as choupanas aos ninhos de cambaxirra, em um enlace de imagem, sonhando sobre dois registros, “acentua a vontade de abrigar além das paredes” (BACHELARD, 261). É um ninho redondo e coberto, pois parece com uma choupana – imagem-conto que sugere histórias. Segundo Bachelard (1984, p. 262) “os valores deslocam os fatos. Desde que se ama uma imagem, ela não pode mais ser a reprodução de um fato”.

O filósofo e historiador francês Jules Michelet é acionado no texto para sugerir o interior do ninho, uma casa construída pelo corpo e para o corpo. E Michelet continua: "A casa é a própria pessoa, sua forma e seu esforço mais imediato; eu direi, seu sofrimento”, comparando o esforço dos pássaros que fazem pressão com o peito para a construção da morada – “o ninho de nosso corpo, feito à nossa medida” (BACHELARD, 1984, p. 263).

Devaneio da segurança: o ninho é precário e traz um paradoxo da sensibilidade: revivemos o instinto do pássaro. É um apelo à confiança no mundo, ao contemplarmos o ninho. Tanto o ninho quanto a casa não conhecem a hostilidade do mundo, pois “viveremos dentro dela com uma confiança inata, tão verdadeiramente participamos, em nossos sonhos, da segurança de nossa primeira morada [...], o mundo é o ninho do homem” (BACHELARD, 1984, p. 264-265).

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